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As praças exigem mudanças sociais, as urnas refletem um giro à direita

02/06/2011

Por Partido Obrero Revolucionario da España

Dois processos estão misturados nas eleições de maio: a mobilização de milhares de jovens indignados com a crise econômica e com a falta de futuro que a atual sociedade lhes oferece e o voto em urna no dia 22. O resultado de ambos é bastante contraditório.

 

Milhares de jovens ocuparam as praças de muitas cidades desde o domingo, 15 de maio. Com seus protestos não fizeram mais que expressar o sentimento geral no país: que a crise está sendo paga pela classe trabalhadora, que os banqueiros e os grandes empresários seguem acumulando benefícios; que os dirigentes políticos são incapazes de tomar medidas contra os mais ricos, e que, na realidade, são mais seus lacaios que representantes do povo; que a corrupção e os corruptos seguem  no comando das instituições; que a democracia é muito insuficiente, que é necessário mudar essa sociedade para que as coisas funcionem melhor, para acabar com o fato de que alguns poucos decidam a economia e a política em função de seus interesses particulares e não dos interesses da maioria. Essa foi a mensagem transmitida – e que segue sendo repetida – pelos jovens indignados desse país.

 

Mas as urnas disseram coisa bem diferente. O voto da população outorgou uma maioria esmagadora ao Partido Popular (PP), partido dos ricos e empresários, contrários aos servições públicos, partidários da privatização, dos que se movimentam contra os imigrantes, que retiram direitos e liberdades. De qualquer ângulo que se olhe, a direita venceu as eleições. A maioria da população decidiu dar seu apoio para o partido dos ricos.

Não é que o discurso da direita convença. É que a esquerda neoliberal decepcionou. Ambos os processos, o das praças e o das urnas, têm uma origem comum: o rechaço às políticas do governo Zapatero. Provavelmente, muitos dos milhares de jovens que estão se mobilizando para exigir um mundo melhor são os que participaram das manifestações contra a guerra do Iraque na qual o governo anterior, chefiado pelo PP e com o apoio de Zapatero, nos enfiou.

Há tempos que o PSOE havia perdido crédito, portanto. Especialmente, desde que, frente à brutal crise capitalista, Zapatero decidiu implantar as decisões que impuseram os chamados “mercados”, ou seja, os banqueiros e as multinacionais, e que nos levaram à situalção atual: 5 milhões de desempregados, precariedade no mundo do trabalho, corte na previdência e ampliação da idade de aposentadoria, reformas trabalhistas a favor dos empresário e etc.

   Essa política neoliberal também foi mal recebida entre os trabalhadores.

Não é possível afirmar que algúem é de esquerda se ele aplica políticas de direita.  E foi a servidão frente a essa situação que deu espaço para o fortalecimento da direita. O fracasso das políticas de Zapatero é a base da vitória do PP. O partido dos ricos não venceu por suas propostas, mas pelo fracasso do PSOE. As políticas da direita, como já está demonstrando CIU na Catalunha ou Esperanza Aguirre em Madrid, serão novos ataques aos direitos públicos, à saúde e à educação pública para favorecer os capitalistas. É isso que representa a vitória do PP.

 

 Esquerda Unida, avanço positivo, porém insuficiente

 

A Esquerda Unida avançou, mas ainda é frágil, comparado ao que representou a derrota do PSOE. No conjunto das eleições, somou 18.153 votos a mais e um aumento da bancada em quatro deputados (Há 3 mais em Aragón,  1  na Castilla  y  León,  3  em  Extremadura,  2  em  Madrid e  1  em  Navarra,  mas perdeu  4  en Baleares e 2 no País Valenciano).

 

Enquanto nas eleições municipais, somou 190.829 votos a mais que em 2007 e passou a ter 2.628 conselheiros (antes, eram apenas 2.485). Além disso, obtiveram 58 prefeituras com maioria absoluta e 53 com maioria relativa, ainda que tenham perdido Córdoba.

 

Na situação de crise, como a atual, com o declínio eleitoral do PSOE, com um setor da juventude mobilizada nas praças da Espanha, temos que levar em conta esse avaço como base para gerar uma alternativa mais ampla, mais colada nas exigências do povo trabalhador e da juventude.

 

A esquerda social e política está numa situação da qual é difícil sair com sua bagagem atual. É o momento de reforçar a luta pela refundação/renovação do conjunto da esquerda. É hora de realizar um amplo esforço para reconstruir a esquerda sobre novas bases.

Não se trata de defender aquilo que já faremos: evitar que as prefeituras caiam nas mãos do PP e da direita. Tampouco se trata de simplesmente ter contato com movimentos e atores sociais e defender algumas de suas propostas. Trata-se de organizar, lançar um processo constituinte, que convide a criar algo novo e que usemos nossa força institucional obtida e nossas assembléias como instrumentos fundamentais, a serviço desse processo que regenere a esquerda.

 

Os acampamentos nas praças serviram, na campanha, para que muita gente fale de política e foi – e vai seguir sendo – uma referência. Inevitavelmente, uma parte desse processo de reorganização que clamamos deve passar pelos acampamentos.

Devemos propor, com prudência, com educação, com modéstia, mas com determinação que esse descontentamento se conecte com a política e a alimente massivamente – ainda que já saibamos que não o fará exclusivamente – as veias das principais entidades sindicais, associativas.

Assim, o vulcão lançará sua energia a favor da renovação da esquerda e não só ao ar. Isso significa que se trata de lutar conscientemente para que convirjam dois os dois processos: o da esquerda consequente e o processo de evolução política, de coordenação e elaboração de novas idéias, propostas e formas democráticas de fazer com que a política do movimento dos acampados se misture e conflua em um novo marco político e de organização da esquerda.

 

Por sua importância política, faremos menção especial ao resultado de Bildu. Primeiro proibiram Sortu, logo, tentaram com Bildu. Aí estão os resultados. Segunda força política em Euskadi, primeira em São Sebastião, o partido com mais conselheiros, 74 prefeituras e 22 maiorias simples. O processo para obter uma solução democrática em Euskadi passa pelo reconhecimento pleno e pela legalização do independentismo Basco.

 

As eleições em Madri

Sendo Sol e seus acampados uma referência em todo o território, o panorama eleitoral de Madrid foi a expressão viva da desconexão entre a esquerda política e essa parcela da população que, simbolizada na praça, quer dar um giro à esquerda e sai às ruas. Dos  2.287  conselheiros e 179 prefeitos em jogo, o PP obteve 1.188 (+118) conselheiros e  106 prefeituras onde são maioria absoluta e 38 onde são maioria simples. Por sua vez, o PSM-PSOE obteve os piores resultados da história, 725.306 votos e 539 conselheiros (‐125). IU que aumentou em quase 66 mil votos, alcançou 175 cadeiras de conselheiros (+46) e manteve seus principais bastiões (Rivas y San Fernando). Apesar disso, ainda está longe de recuperar os mais de 200 mil votos perdidos pelos socialistas. Por fim, UPD obteve 64 cadeiras de conselheiros e cerca de 200 mil votos.

Vitória eleitoral do neofranquismo (PP)

O panorama na assembléia de Madrid não é melhor, ao contrário. O PP teve maioria em 5 deputados e, com isso, terá 67, numa câmara de 129. O PSOE passa de 42 a 36. IU sobe de 11 a 13 e UPD irrompe com força passando de 0 a 8.

Aos demolidores dados eleitorais da esquerda na assembléia e na Comunidade, temos que somar seu significado, a perda da imensa maioria de importantes bastiões que eram uma certa barreira de contenção ante o neoliberalismo extremo e mantinham uma base populacional impotante no campo da esquerda, o chamado Cinturão Vermelho. Hoje, simplesmente, esse cinturão já não existe.

 

Na Catalunha

Catalunha apresenta alguns traços diferentes. O PSC perde, pela primeira vez, uma eleição municipal (778.042 votos para CiU x 721.443 votos para PSC). Diferentemente do resto do estado, a esquerda soma mais votos que a direita (PSC+ICV‐EUiA+ERC+CUP+CAV  somam 1.220.925 votos e CIU, PP, C’S i PxC somam 1.176.709 votos). 

Apesar da maré conservadora, houve mais votos na esquerda, especialmente na área metropolitana. A esquerda perdeu 399.614 votos em relação às eleições municipais anteriores, dentre os quais, uns 250 mil foram canalizados para a abstenção.

A direita somou a mais em relação à eleição de quatro anos atrás, mas perdeu 511.147 em relação às eleições de seis meses atrás. É especialmente relevante que a CiU perdeu 419.968 votos, o PP 20.464, Ciudadanos 70.715 e PxC 9.416. Por outro lado, o PSC recuperou  151.082  votos,  ERC  39.518,  ICV‐EUiA 11.933. Somados, são 202.533 votos.

Consolida-se o giro à direita repesentada majoritariamente pelo CiU, basicamente pela perda de Barcelona e cidades como Mataró,  Igualada,  Vilanova,  Vilafanca, Manres.

O PP sobe 80.000 e mais 200 conselheiros. Obteve maioria em Badalona, a terceira maior cidade da Catalunha, com uma campanha nitidamente xenófoba e racista. Será seu “as na manga” no pactos entre CiU e PP que se darão. Esse pactos suporão uma mudança profunda do mapa político catalão. Ciudadanos  foi reduzido quase à marginalidade com 1,2% dos  votos por trás da Plataforma por Catalunha (PxC) – uma organização de extrema direita, cujo ideário é contra a imigração e descaradamente racista, nos bairros onde a crise e as greves estão mais presentes – que somam 65 mil votos.

ERC sofreu um descalabrio ainda maior em relação a seu peso nos municípios. Boa parte de seu eleitorado não aceitou bem a “filiação”  de  Joan  Laporta, visto como alguém alheio aos valores progressistas. A Candidaturas de Unidade Popular (CUP), que já tinham certa consolidação em algumas bases, deram um salto importante, substituindo em algumas cidades, a ERC, como em  Girona. Seus mais de 62.000  votos  e 101  conselheiros se situam na esquerda independentista combativa, assim como as CAV, candidaturas de Vallès, que também cresceram até 15.000 votos e 16 conselheiros. Essas duas formações mostram que, num quadro de retrocesso da esquerda, há exemplos de acumulação de forças importantes para a confluência e unidade de ação na mobilização social e política.

ICV‐EUiA  atingiu resultados que a consolidam à esquerda do PSC. Aumentou em Barcelona, com uma campanha situada claramente à esquerda e contra as políticas de cortes sociais do governo de Artur  Mas.  Conseguiu manter o El  Prat e recuperou algumas localidades como Sant Feliu,  Santa Perpètua,  Montornés, Cubelles…  Não conseguiu atrair os votos que seriam destinados ao PSC, ainda… mas a campanha se situa como uma ferramenta útil a favor dos mais desfavorecidos e das camadas populares.

Agora começa o momento decisivo dos pactos. É o momento de consolidar governos com programas de esquerda e fechar o cerco para a direita. Chegar a acordos com CiU sempre deu alguns resultados nefastos. É decisivo tornar úteis e coerentes os votos da cidadania. Isso tem que ser notado nas políticas municipais.

No dia 14 de maio, mais de 200 organizações, com CCOO e UGT na vanguarda, levaram mais de 200 mil pessoas às ruas, contra os cortes orçamentários na saúde, educação e serviços sociais… são o reflexo de dezenas de pequenas lutas diárias.

No dia 15 de maio, mais de 15 mil manifestantes em Barcelona, convocados pelo “Democracia Real Já!” iniciam, junto a dezenas de cidades, os acampamentos que se multiplicam.

O descrédito da política profissional, a crise provocada pelo capitalismo, a necessidade de serem protagonistas do futuro atingiram dezenas de milhares de pessoas em todo o estado…  e provocaram uma espetacular atenção da mídia. Como teriam sido as eleições sem essas mobilizações? Sem dúvida, pior para a esquerda. É certo que o “tsunami” que que se supunha encontrar nas eleições ao parlamento era difícil de superar em apenas seis meses. Mas as lutas começaram a por em dúvida a legitimidade da CiU para seguir com seus ataques aos direitos sociais e suas políticas de benefício para as empresas e as grandes fortunas.

 

Em Euskadi

O mapa político no país Basco mudou radicalmente. A diferença do resto do estado foi Bildu, a confluência de diversas tendências do nacionalismo de esquerda Basco, que obteve o avanço mais espetacular. 25% dos votantes lhes deram seu apoio. Em 74 povoados, obtiveram maioria absoluta. É o primeiro partido na provincia de Guipúzcoa e na cidade de San Sebastián. Toma um novo impulso a luta por paz, pelo direito de decidir dos Bascos, pela legalização plena dos partidos. Ao contrário, Ezker Batua, teve um importante retrocesso. Perdeu mais de 32 mil votos e ficou com apenas 13 conselheiros.

 

 

Partido Obrero Revolucionario da España (Quarta Internacional)

25 maio 2011

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