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China Fortalece Empresas Estatais para Alimentar o Crescimento

03/09/2010
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Introdução, por Pedro Fuentes 

Apresentamos aos nossos leitores a tradução do artigo do New York Times de 30 de agosto de 2010, sobre a China. É o terceiro texto que traduzimos nos últimos meses. O autor defende a tese de que há um fortalecimento da economia estatal, ou seja, do capitalismo estatal chinês. Há duas semanas, o The Economist (um dos mais sérios meios de opinião da burguesia) apresentou um debate muito objetivo (e sem nenhum preconceito) sobre as vantagens que leva a China na recuperação da crise, graças ao controle estatal da economía, forma de gestão à qual também atribui alguns avanços tecnológicos próprios. Uma espécie de “verdadeiro keynesianismo”.

 Estes dados objetivos fornecidos por porta vozes sérios da imprensa imperialista constituem elementos cruciais para a análise marxista da situação econômica e da geopolítica mundial nela implicada.

 Uma grande parte da esquerda marxista mundial tende a ignorar o fenômeno chinês em suas análises. Outros setores, tradicionalmente oportunistas, falam das vantagens de uma suposta “economia mista” do socialismo com o mercado.

 São erros opostos. Por um lado, não se pode ignorar a importância que tem e terá a China, no mínimo na próxima década. Issp seria esconder a cabeça como o avestruz diante do desenvolvimento capitalista da China, já convertida na 2ª potencia mundial, com fortes inversões da América Latina e África, possuidora das maiores reservas de capital do mundo e dos títulos de dívida estadunidense. Por outro lado, é preciso desmistificar a idéia de que há na China algum resquicio de socialismo ou de volta ao socialismo

O que há na China é uma combinaçãoou associação entre grandes empresas estrangeiras e o capitalismo de Estado chinês, representado por uma fortíssima burocracia estatal do Partido Comunista, que reúne em suas fileiras grandes proprietários diretamente burgueses e uma clase burocrática íntimamente ligada à exploração capitalista.

Nesta introdução não há espaço para desenvolver o papel desempenhado pela China na atual situação histórica. Queremos enfatizar alguns eixos polémicos para a esquerda marxista, e já prometer um texto futuro que os desenvolva.

1. Contra a opinião de que a China acabaría sendo uma semi-colônia dos países imperialistas e portanto seria arrastada rápidamente para a crise económica quando esta estourasse, a realidade está demonstrando que a capacidade da burocracia para conduzir o capitalismo é enorme.

 

2. Que graças a isso, a China hoje desempenha um papel fundamental para que a economia mundial não colapse com maior intensidade.

 

3. Que o desenvolvimento chinês fará com que a Ásia cumpra um papel fundamental na sustentação do capitalismo imperialista no próximo período (pelo menos na próxima década), como prognosticou o famoso teórico marxista Gunder Frank antes de morrer. E por isso não se trata de nenhum fenómeno progressivo.

 4. Que para garantir seu desenvolvimento, a China necessita expandir suas inversões da mesma forma que o imperialismo, para poder contar com novos recursos naturais que assegurem seu crescimento. E este é o papel que cumprem suas inversões em países africanos, no México, Argentina, Brasil e outros países latino-americanos onde expandiu bruscamente sua presença com empresas e capitais chineses protagonizando grandes transações.

5.Que a política do capitalismo de Estado chinês definitivamente gerará novas e grandes contradições no interior da China e no resto do mundo.

Segue o artigo original: 

China Fortalece Empresas Estatais para Alimentar o Crescimento

MICHAEL WINES (New York Times)

  
PEQUIM – Durante décadas de crescimento rápido, a China progrediu ao permitir que empresários privados anteriormente anulados pudessem prosperar, muitas vezes à custa do antigo e ineficiente setor estatal da economia.

Agora, nas regiões ricas de carvão da província de Shanxi, as siderúrgicas do coração industrial do norte, ou as companhias aéreas, muitas vezes são as empresas estatais chinesas que estão em marcha.

Como o governo chinês tem se enriquecido, e está mais preocupado com a sustentação de seu crescimento, tem bombeado dinheiro público em empresas que espera que atualizem a base industrial e empreguem mais pessoas. Os beneficiários são os interesses estatais, que muitos analistas supuseram que gradualmente murchariam em face da concorrência do setor privado.

Novos dados do Banco Mundial mostram que a proporção da produção industrial de empresas controladas pelo Estado chinês subiu no ano passado, conferindo uma lenta, mas aparentemente inevitável eclipse. Além disso, o investimento das empresas controladas pelo Estado disparou, impulsionado por centenas de bilhões de dólares de gastos do governo e empréstimos de bancos estatais para combater a crise financeira global.

Eles se juntam a uma série de outros sinais que estão alimentando o debate entre os analistas sobre a China, que se denomina socialista, mas é freqüentemente considerada no Ocidente como brutalmente capitalista, e que está na verdade buscando melhorar o controle do governo sobre algumas partes da economia.

A diferença pode importar mais hoje do que antigamente. A China ultrapassou o Japão para se tornar a segunda maior economia do mundo este ano, e seu modelo de desenvolvimento dirigido pelo Estado é extremamente atraente para os países pobres. Mesmo no Ocidente, muitos admiram a capacidade da China em construir uma infraestrutura de primeiro mundo e transformar suas cidades em exemplos admiráveis.

Até então ansiosos em aprender com os Estados Unidos, os líderes chineses durante a crise financeira reafirmaram sua crença em sua própria abordagem mais estadista da gestão econômica, em que o capitalismo privado desempenha apenas um papel de apoio.

“As vantagens do sistema socialista”, disse o primeiro-ministro Wen Jiabao, em um pronunciamento em março, “nos permitem tomar decisões de forma eficiente, organizar de forma eficaz e concentrar os recursos para realizar grandes empreendimentos.”

Estatal versus Privado

A questão do controle do Estado em relação ao setor privado é controversa na China. Após décadas de reformas econômicas, muitas grandes empresas estatais enfrentam concorrência real e espera-se que atuem proveitosamente. As maiores empresas privadas, muitas vezes obtêm o seu financiamento de bancos estatais, coordenam os seus investimentos com o governo e seus principais executivos se encontram nos quadros consultivos do governo.

Os líderes chineses também não enfatizam publicamente distinções ideológicas agudas sobre a propriedade. Mas eles nunca relaxaram o controle estatal sobre alguns setores considerados estrategicamente vitais, como finanças, defesa, energia, telecomunicações, ferrovias e portos.

O Sr. Wen e o Presidente Hu Jintao também são vistos como menos sintonizados com os interesses dos investidores estrangeiros e o próprio setor privado da China em relação à geração anterior de líderes que abriram caminho para as reformas econômicas. Eles preferem aumentar a influência e alcance econômico das empresas apoiadas pelo Estado, no topo da hierarquia.

“A China sempre teve uma grande política industrial. Mas, num espaço de alguns anos parecia que a China estava se afastando de uma política industrial ativa e intervencionista em favor de uma abordagem sem interferência”, disse Victor Shih, um cientista político da Universidade Northwestern, em uma recente entrevista por telefone.

O Sr. Shih, entre outros, acredita que as reformas da década de 80 que descontrolaram o setor privado da China e as reformas dos anos 90 que desmantelaram grandes seções do setor estatal, serão parcialmente desfeitas.

“O problema é que as reformas dos primeiros 20 anos, de 1978 até o final dos anos 90, realmente não atingiu o poder do governo”, disse Yao Yang, um professor da Universidade de Pequim, que dirige o Centro de Pesquisa Econômica da China. “Então, depois que as outras reformas foram concluídas, realmente encontramos o governo se expandindo, porque não há nenhum sistema de pesos e contrapesos em seu poder.”

Pressentindo o Papel do Governo

Não existem estatísticas abrangentes para catalogar a influência do governo sobre a economia. Assim, a mudança é parcialmente inferida das medidas não aperfeiçoadas como a cota de financiamento na economia fornecida pelos bancos estatais, que aumentaram fortemente durante a crise financeira, ou a lista das 100 maiores empresas chinesas cotadas em bolsa. Com a exceção de uma, todas são propriedades majoritárias do governo.

A estatística que mostra um pequeno aumento na cota de produção industrial imputável ao setor estatal é considerada por alguns analistas como uma resposta ao invés do início de uma tendência. O economista sênior do Banco Mundial em Pequim, Louis Kuijs, disse que o crescimento extraordinariamente rápido do setor estatal provavelmente irá moderar com o fim do estímulo dos gastos do governo.

“Quando o processo de crescimento normalizar novamente, a tendência tradicional para as cotas em declínio de EE vão assumir novamente”, ele escreveu em uma mensagem de e-mail, usando a abreviação de empresa estatal. “Eu não acho que os principais líderes tiveram uma estratégia para inverter esta tendência.”

 O Primeiro Ministro Wen Jiabao, à esquerda, reuniu-se com empresários em Pequim, em março. Em um discurso este mês ele citou as vantagens de um sistema socialista.

 Minério de ferro no porto de Yingkou na província de Liaoning. Os líderes da China nunca relaxaram o controle estatal sobre setores considerados estratégicos vitais, incluindo portos.

Mas outros argumentam que os funcionários sempre tiveram a intenção de criar um setor público vibrante que se elevaria acima do setor privado nas indústrias importantes, mesmo quando liquidassem tudo ou fechassem as empresas estatais com prejuízo, que drenaram capital do orçamento do governo e do sistema bancário.

Alertas recentes sobre o crescente papel do Estado, disse Arthur Kroeber da Dragonomics, uma empresa de previsões econômicas com sede em Pequim, é basicamente “a percepção alcançando a realidade.”

Em alguns aspectos neste debate as diferenças são pequenas. Todos concordam que a China conduz uma economia bifurcada: em certo nível, um setor privado forte e competitivo domina indústrias como a fábrica voltada para exportação, roupas e alimentos. E em níveis mais altos como finanças, comunicações, transporte, mineração e metais, os chamados altos comandos, o governo central reivindica participação majoritária e medidas de controle de gestão.

No entanto, os dois pontos de vistas do futuro da China são muito diferentes. Aqueles que vêem pouca evidência de um setor estatal em expansão geralmente acreditam que a China tem uma década ou mais de crescimento robusto antes do amadurecimento de sua economia. É deles a visão tipo Cachinhos Dourados de intervenção estatal, não demais ou de menos, mas apenas o suficiente para empurrar uma economia em desenvolvimento em direção a prosperidade.

Os céticos têm uma visão mais sombria: eles acreditam que as distorções e gastos, em grande parte devido à intromissão do governo, resultaram em má alocação bruta de capital e vai acabar empurrando as taxas de crescimento para baixo bem antes de 2020. O que motiva o seu pessimismo, dizem os céticos, é que a China, como o Japão uma geração atrás, acredita em uma estratégia econômica de cima para baixo que desafia a teoria convencional ocidental.  

Os céticos apontam também para uma crescente influência política e financeira dos gigantes estatais da China, 129 grandes conglomerados que respondem diretamente ao governo central, e milhares de outros menores conduzidos pelas províncias e cidades.

Enquanto nenhum colapso público ocorre, a maioria dos especialistas diz que o pacote de estímulo com o vasto volume de 4 trilhões de yuans (US $588 bilhões de dólares) que a China bombeou para novas rodovias, ferrovias e outros grandes projetos foi para as empresas estatais. Algumas das maiores empresas utilizaram o fluxo de dinheiro para reforçar a sua posição dominante nos mercados atuais ou para entrar em novos.

No ano passado, muitas das 129 empresas do governo central mudaram-se forçosamente para a indústria imobiliária da China, com centenas de bilhões de dólares em projetos de construção e de negócios com terras. Os gigantes estatais do aço reduziram negociações para resgatar concorrentes privados mais rentáveis e, muitas vezes mais eficientes. Uma série de conglomerados do governo abocanhou empresas de mineração de carvão na província de Shanxi.

“Em 2009, houve uma enorme expansão do papel do governo no setor corporativo”, disse Yasheng Huang, o principal analista de capitalismo do estilo da China, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em uma entrevista por telefone. “Eles estão produzindo iogurte. Eles estão no mercado imobiliário. Algumas das empresas estatais agora estão se expandindo a jusante, organizando-se como unidades verticais. Estão apenas atuando em uma escala muito maior.”

Interesses Locais

A nível local, os governos criaram 8.000 empresas estatais de investimento em 2009 só para canalizar os dólares governamentais para negócios e empreendimentos industriais, disse Huang. Basta um exemplo: um fabricante de automóveis particular chinês, Zhejiang Geely Holding Group, publicou manchetes no mundo inteiro em março, quando ele concordou comprar a marca sueca Volvo da Ford. Grande parte do preço de aquisição de US $1.5 bilhão de dólares não veio de relativamente modestos lucros de Geely, mas dos governos locais no nordeste da China e da área de Xangai.

Geely retribuiu este mês, anunciando que vai construir a sua sede da Volvo e uma fábrica de montagem em um distrito industrial de Xangai.

As razões para a pressão do Estado para uma maior participação nos negócios variam. O controle estatal do abastecimento de energia é crucial para o crescimento da China e a aquisição de carvão de Shanxi vai aumentar a produção, garantir o combustível para algumas unidades estatais e dar a Pequim nova autoridade para controlar os preços do carvão. Empresas de mineração estatais também argumentam que elas têm um histórico de segurança superior aos seus concorrentes privados mais propensos a acidentes.

Mas em outras áreas o Estado parece ser mais mercenário.

Vejamos as telecomunicações. Ao aderir à Organização Mundial do Comércio, a China comprometeu-se a abertura do seu mercado de comunicações a joint ventures estrangeiras para serviço de telefonia local e internacional, e-mail, pager, e outros negócios. Mas depois de oito anos, nenhuma licença foi concedida, em grande parte porque os requisitos de capital, os obstáculos regulamentares e outras barreiras tornaram tais empreendimentos impraticáveis, segundo os Estados Unidos. Hoje, a telecomunicação básica da China está crescendo, e é praticamente 100 por cento controlada pelo Estado.   

Veja a indústria aérea. Seis anos atrás, o governo central convidou investidores privados a entrar no negócio. Em 2006, oito transportadoras privadas surgiram para desafiar as três maiores controladas pelo Estado, a Air China, China Southern e China Eastern.

As companhias aéreas estatais imediatamente começaram uma guerra de preços. O monopólio estatal que forneceu combustível para aeronaves recusou-se a abastecer transportadoras privadas, nas mesmas condições generosas das três grandes companhias. O único sistema de reserva informatizado da China, que um terço é atualmente controlado pelas três companhias aéreas estatais, recusou a reservar vôos para os concorrentes privados. E quando a má gestão e a crise econômica de 2008 levaram os três maiores a dificuldades financeiras, o governo central comprou ações para socorrê-los: cerca de US $1 bilhão para a China Eastern, US $430 milhões para a China Southern; US $220 milhões para a Air China.

Uma companhia transportadora de passageiros privada que restou é a Spring Airlines, uma empresa iniciante tenaz conduzida por um dos fundadores tão superficial que ele divide um escritório de 9 metros quadrados com o seu diretor executivo e pega o metrô para reuniões de negócios.

Este fundador, Wang Zhenghua, sobreviveu em parte, construindo seu próprio sistema de reservas computadorizado. Ele cancelou nossa entrevista agendada. Mas no noticiário chinês, foi cáustico sobre os subsídios estatais dado aos seus concorrentes. “Agora, com a injeção de 10 bilhões de yuan” para a China Eastern e China Southern, “tudo está um caos”, disse a Biz Review, uma revista chinesa.

Empresários da China têm um ditado para tais manobras: “guo jin, min tui”, ou “os avanços do Estado, os recuos do setor privado.”

Empresas estatais na China têm agarrado o melhor da economia para si, “deixando o setor privado beber a sopa, enquanto as empresas estatais estão comendo a carne”, disse Cai Hua, vice-diretor de uma organização do estilo Câmara de Comércio na província de Zhejiang, em uma entrevista.  

O Primeiro da Fila

O Sr. Cai diz que acredita que a China precisa de setores administrados pelo governo para competir globalmente e gerir o desenvolvimento interno do país. Mas, ele disse que localmente, as suas vantagens, ser o primeiro da fila para os financiamento de bancos estatais, primeiro da fila para socorro do Estado quando ficar em apuros, primeiro da fila para o estímulo gusher, tem criado uma “desigualdade profunda” com os concorrentes privados.

Alguns analistas argumentam que os conglomerados estatais, construídos com dinheiro do Estado e que favorece a concorrência global, já se tornaram centros de poder político por direito próprio, capaz de afastar até mesmo os esforços de Pequim para controlá-los.

Das 129 grandes empresas estatais, mais de metade dos presidentes e presidentas e mais de um terço dos diretores foram nomeados pelo departamento de organização central do Partido Comunista. Uma pontuação ou mais conta no Comitê Central do partido para eleger o Politiburo vigente. Eles controlam não apenas a força vital da economia da China, mas um sistema de patrocínio corporativo que dispensa trabalhos dos executivos com remunerações mais elevadas em relação ao equivalentes líderes do partido.

Os líderes da China procuraram ocasionalmente no ano passado conter excessos especulativos por parte das empresas controladas pelo Estado no setor imobiliário, empréstimos e outras áreas. Em maio, o Conselho de Estado, um órgão político de alto nível, por vezes, comparado ao gabinete dos Estados Unidos, emitiu ordens para dar às empresas privadas uma melhor vantagem em contratos com o governo, para estradas e pontes, as finanças e até mesmo serviços militares, que agora vai quase que exclusivamente para as empresas estatais. Praticamente as mesmas regras foram emitidas cinco anos atrás, com pouco efeito.

No entanto, é difícil argumentar com êxito, dizem outros economistas, e o sucesso da China é demonstrado por sua estratégia de cima para baixo. Potências asiáticas, como Coréia do Sul e Japão construíram suas economias modernas com forte ajuda do Estado. Muitos economistas concordam que o gerenciamento perspicaz do Estado pode ser melhor do que as forças do mercado na obtenção de uma nação em desenvolvimento permanecendo em pé nos próprios pés.

Especialistas de ambos os lados do debate têm apenas duas perguntas. Uma delas é quanto tempo o controle estatal de vastas áreas da economia irá gerar este crescimento.

A outra é que se a estratégia parar de funcionar, será a China capaz de mudá-la.

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